A exaltação de um factoide

Marcelo Freixo

Marcelo Freixo

Marcelo Freixo

Pela terceira vez em menos de uma semana, O GLOBO me cita em seus editoriais. As diferenças do texto publicado ontem em relação aos demais são o tom menos arrogante e o alvo. Após a péssima repercussão das tentativas de associar a morte do cinegrafista Santiago Andrade a mim, o jornal assume postura mais cuidadosa, até porque o objetivo é explicar a cobertura da tragédia aos seus leitores.

Estranho é O GLOBO não demonstrar tamanho ímpeto editorial quando o assunto é, por exemplo, a comprovada ligação entre o ex-governador em exercício Sérgio Cabral e o empreiteiro Fernando Cavendish. Quantos editoriais foram dedicados ao fato de a empresa de advocacia da primeira-dama, Adriana Ancelmo, ter contratos com concessionárias estaduais? Quantos textos foram escritos sobre as relações entre o governador e Eike Batista?

Vamos fazer uma rápida retrospectiva. No editorial do dia 12 de fevereiro, o jornal me trata como inimigo da democracia. Achei interessante o grupo tocar no assunto. Afinal, no próximo 1º de abril, o golpe militar completa 50 anos e a empresa deve ter histórias palpitantes para contar.

Dois dias depois, o jornal afirma que meu gabinete tem comprovada proximidade com os black blocs. Comprovada proximidade? Creio que o manual de redação do grupo é mais criterioso do que levam a crer seus editoriais. A comoção provocada pela morte do cinegrafista Santiago Andrade não pode ser usada como instrumento de difamação.

Depois de tanta ferocidade, O GLOBO tenta justificar a série de matérias produzidas, com grande destaque, sobre a minha suposta ligação com os responsáveis pelo assassinato de Santiago. Num tom professoral e oportunamente sóbrio, o editorial “O dever de um jornal”, publicado ontem, se arrisca em novos malabarismos.

Primeiro, O GLOBO tenta justificar a manchete do dia 10 de fevereiro, que alardeia minha relação com os acusados, lembrando que a conversa telefônica entre o advogado Jonas Tadeu Nunes e a ativista Elisa Quadros foi registrada na 17ª DP (São Cristóvão). Logo, a existência do documento baseado num “disse me disse” seria suficiente para que uma denúncia grave como esta fosse divulgada. Tudo bem, se o argumento parece tão óbvio ululante e irrefutável para o grupo, por que os jornais “Folha de S.Paulo” e “O Dia”, por exemplo, não se comportaram da mesma forma e nada escreveram sobre o episódio? Então, a postura é, sim, controversa.

O tal Termo de Declaração registrado na delegacia foi produzido de forma irresponsável por um advogado extremamente suspeito e divulgado com destaque, no mínimo, inconsequente. Vejam que estranho: a conversa que suscitou as acusações ocorreu entre Jonas Tadeu Nunes e Elisa Quadros, como o próprio advogado disse, mas o documento foi assinado pelo estagiário Marcelo Mattoso. Além disso, o delegado Maurício Luciano não teve acesso ao conteúdo da conversa. Por que ele não passou o telefone ao delegado? Por que não pôs a ligação no viva-voz? Ou seja, o Termo de Declaração, grande “prova” do GLOBO, é frágil por ter sido produzido sem qualquer cuidado.

Até aquele momento, ainda não sabíamos que Jonas Tadeu Nunes já fora condenado por danos morais, enriquecimento sem justificativa, e danos morais e materiais em três processos distintos — não vi O GLOBO destacar isso durante a cobertura. Apesar disso, sua atitude, naquele dia 9 de fevereiro, é digna de estranheza. Jonas Tadeu Nunes não agiu como advogado nem como defensor dos interesses de seu cliente ao pegar o Termo de Declaração, imediatamente após o seu registro, e entregar nas mãos de uma repórter da TV Globo.

Por que O GLOBO não se interessa tanto pela conduta tão controversa e suspeita do advogado, como o faz quando ele dirige acusações sem provas contra mim? Enquanto veículos e colunistas de outros jornais, como Jânio de Freitas, da “Folha de S.Paulo”, acham tudo muito estranho, Jonas Tadeu Nunes reina sob os holofotes globais e leiloa informações. Quando acusa, o advogado recebe mais destaque que o delegado, responsável pelo inquérito.

O autor do editorial mente ao escrever que eu afirmei não saber de nada ao ser procurado por Artur, da equipe de produção da emissora, naquele mesmo dia. Em momento algum neguei ter falado com Elisa Quadros ao telefone. Ela me ligou exclusivamente para relatar que temia a possibilidade de Fábio Raposo ser torturado no presídio. Eu falei que isso não aconteceria e desliguei. Sou presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e dezenas de pessoas me procuram para fazer denúncias.

Também não criei obstáculos para dar entrevista. Pelo contrário, dar entrevistas é o que mais tenho feito nestes últimos dias. Só pedi que o tal documento me fosse encaminhado antes. Afinal, não posso falar sobre algo cujo conteúdo desconheço. O jornal cumpriu sua obrigação de me ouvir, mas foi leviano ao publicar uma manchete baseada em “provas” extremamente frágeis. No fim da chamada de capa, o fatal: “O parlamentar nega.”

O GLOBO insiste em dizer que foi imparcial e comedido ao tratar do assunto durante a semana. Não foi. Basta ler os editoriais publicados e citados aqui. Como não havia provas e mais informações para me associar a esta tragédia, os ataques saíram dos espaços de notícia para os de Opinião. Não me acho acima do bem e do mal, como insinuou o jornal, numa tentativa de desqualificar minha indignação. Mas não vou titubear em defender minha trajetória ante acusações estapafúrdias.

Agora, o jornal tenta se esconder sob o manto da “missão jornalística” para justificar o noticiário desmedido e leviano dirigido contra mim e o PSOL. O papel nobre que O GLOBO atribuiu a si mesmo ontem, numa linguagem tão prudente, é mais uma tentativa de subestimar a inteligência de seus leitores.

Se não houvesse tanta indignação social e manifestações de solidariedade a mim — inclusive de jornalistas da própria Rede Globo —, essa autocrítica mambembe sequer teria sido feita. Pedir desculpas é um gesto que exige grandeza.

19/02/2014

Marcelo Freixo é deputado estadual do PSOL-RJ