O Rio é a cidade olímpica onde a especulação imobiliária tem mais fôlego do que o esporte, e a transparência foi desclassificada.
Seis anos após sermos escolhidos sede dos Jogos de 2016, vemos a contradição no topo do pódio: 40% das escolas municipais não possuem quadras poliesportivas e promessas do atletismo não têm onde treinar.
Desde o fechamento do estádio de atletismo Célio de Barros, em 2013, atletas como Marcelle da Cruz e Uhuru Figueira, medalhistas em competições nacionais e estaduais, treinam em locais inadequados, como calçadões e pistas de asfalto, o que provoca lesões.
O sofrimento contrasta com o entusiasmo de Carlos Carvalho. Apesar de nunca ter arremessado um dardo, ele conquistou o ouro olímpico.
Seu desempenho não é medido em centésimos ou jardas, mas em bilhões que sua empresa, a Carvalho Hosken –que, em 2012, doou R$ 650 mil à campanha de Eduardo Paes e ao PMDB–, faturou em contratos com a prefeitura para construir o Parque Olímpico e a Vila dos Atletas, na Barra da Tijuca. Após os Jogos, os equipamentos serão transformados em condomínios de luxo.
O ouro não é privilégio da Carvalho Hosken. A delegação da Lava Jato, formada por sete empresas, ganhou 11 obras estratégicas para o evento, que somam R$ 27 bilhões.
A desconfiança é incrementada pela falta de transparência da prefeitura, que não divulga os valores e a situação dos contratos, apesar de R$ 18 bilhões se referirem a projetos municipais. Uma das obras estratégicas é o Parque Olímpico, cujo consórcio é completado pela Odebrecht e Andrade Gutierrez. Lá, o espírito olímpico virou assombração. As máquinas que erguem o coração dos Jogos reduziram a escombros a vida de 2.500 moradores da Vila Autódromo, comunidade vizinha.
As famílias foram removidas para dar lugar a uma área verde, que valorizará a vista dos apartamentos a serem comercializados pelas empresas. Após a escolha do Rio como cidade-sede, 19 mil famílias foram desapropriadas na cidade.
A poucos quilômetros dali, a destruição ambiental e a especulação imobiliária são parceiras na construção do campo de golfe numa área de preservação. O projeto inclui a retirada de 61 mil metros quadrados de vegetação.
Além disso, a Fiori Empreendimentos, responsável pela obra, poderá construir, na vizinhança do campo, 23 prédios com mais andares do que o permitido pela lei. O Ministério Público investiga Paes por improbidade administrativa.
Não sou contra a realização da Olimpíada, mas não podemos esquecer que os Jogos duram apenas um mês. Quando a festa acabar, seremos nós que viveremos cotidianamente com as sequelas desse modelo de gestão.
Marcelo Freixo é professor e deputado estadual PSOL-RJ
Fonte: Folha de S. Paulo, 08/09/15