O abraço da serpente, filme colombiano do diretor Ciro Guerra é uma primorosa obra de arte, mas também um estudo antropológico e uma visão histórica da colonização na América Latina.
A base para o roteiro foram anotações de Theodor Koch- Grünberg, um etnólogo alemão que estudou os nativos do rio Xingu, Negro e Orinoco. Mas o filme, como toda obra de arte poderosa, vai muito além, podendo ser visto como um estudo da relação do homem com a natureza num plano muito mais “astral”, para usar um termo caro a geração beat.
O “branco” colonizador que invadiu as florestas queria as riquezas naturais e, na região específica abordada, o alvo era a borracha. Os homens e mulheres quase pelados morando em ocas e se guiando pelas estrelas eram, para o colonizador, selvagens mais próximos dos animais do que de “deus”. Era preciso torná-los cristãos, nem que fosse pela força do chicote. E assim foi feito. A maioria das tribos pereceu ou se transformou.
O filme trabalha dois momentos em paralelo: a viagem de Theodor na primeira década do século XX e, quarenta anos após, a viagem de um segundo explorador que está atrás de uma planta que ensina a sonhar. Pode-se fazer uma analogia com o Santo Daime, preparado de vegetais que foi descoberto na floresta amazônica e hoje tem seguidores aos milhares no mundo inteiro. O personagem que une os dois “brancos” é Karamakate, um xamã perdido de seu povo, que vive só.
A obra permite um longo estudo crítico; não é o caso do presente texto, mas vale o registro de alguns momentos. O branco e o índio deslocam-se numa canoa em algum ponto perdido da selva em busca da planta e a correnteza está forte. O índio sugere que ele jogue as bagagens no rio e ele se recusa, indignado. Acaba livrando-se do peso, mas o que fica claro é o apego do “civilizado” à propriedade, as “suas coisas” como o pesquisador nomeia as malas que carrega. Outro ponto interessante é o único personagem brasileiro da narrativa, um falso Cristo explorando a boa fé dos índios.
Imperdível, O abraço da Serpente. A trilha sonora também é espetacular. O primeiro filme colombiano que assisti e um dos melhores de minha vida!
Flávio Braga é escritor