Bolsos cheios com a indústria armamentista

ArmasEUAA indústria e a comercialização de armas volta a ser um dos negócios mais rentáveis e prometedores, depois de deixar atrás a leve queda de 2012, quando houve um retrocesso de 91% na despesa militar mundial.

Um recente relatório do Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo (Sipri) indica que o comércio mundial de armas convencionais aumentou 14% entre 2011 e 2015 em relação aos cinco anos anteriores e que os Estados Unidos reafirmaram sua supremacia como principal exportador mundial.

O texto também informa sobre o aumento das compras na Ásia, Oceania e no Oriente Médio, com a Índia, a Arábia Saudita e a China como maiores importadores nos últimos cinco anos.

“Com o aumento dos conflitos e tensões regionais, os Estados Unidos mantêm sua condição de provedor líder de armas no nível global com uma margem clara”, afirmou a diretora do programa de despesa militar da instituição sueca, Aude Fleurant.

Nesse sentido, apontou que o país do norte forneceu armas a pelo menos 96 países nos últimos cinco anos, com a Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos como principais destinatários.

Northrop Grumman, BAE Systems, Raytheon, Boeing Defense, Almaz Antei, Airbus e outros grandes fabricantes de armas registram novos recordes de vendas, enquanto continuam as fusões e aquisições que dão lugar a impérios cada vez mais influentes no topo de órgãos internacionais, governos, bancos e meios de comunicação de todo o mundo.

As vitórias da indústria da guerra são um segredo a poucas vozes. Mas, em que baseia seu triunfo?

O setor de armas é especial e se rege por normas diferentes às das demais indústrias. Os fabricantes de armas são entidades privadas – ainda que algumas contam com participação estatal – que comercializam quase toda sua produção com governos do mundo inteiro.

Essas corporações atuam de mãos dadas com o Estado ao desenhar, produzir e exportar, já que o orçamento público financia a maioria dos projetos de inovação militar que criam tecnologias cada vez mais mortais.

É um negócio redondo no qual o dinheiro público serve, ao mesmo tempo, para financiar o desenho e a compra de aviões, fragatas, fuzis e tanques.

“A indústria pede reiteradamente o apoio governamental para poder vender fora”, reconhece Eva Cervera, diretora do Grupo Edefa, o maior meio de comunicação em idioma espanhol especializado em Defesa.

Por exemplo, a estadunidense Lockheed Martin, maior fabricante mundial de armamento, movimenta a cada ano mais de 34 bilhões de euros, cifra superior ao Produto Interno Bruto (PIB) de 97 países e cinco vezes o orçamento das Nações Unidas para missões de paz.

Neste negócio próspero, também se destaca o fato de inclusive países com grandes problemas econômicos investirem em armas, como é o caso da Grécia.

Pouco antes de receber o primeiro resgate em 2010, o governo alemão ativou uma linha de financiamento especial para que as autoridades gregas pudessem pagar seus pedidos de armamento ‘made in Germany.

A Alemanha, um dos países que mais pressão exerceu para que Atenas aplicasse duros cortes e medidas de austeridade, é o principal provedor de armas com destino ao país heleno, que dedica quatro porcento de seu PIB a objetivos militares.

Outro detalhe significativo é a relação entre indústria armamentista e política: Nos Estados Unidos, as doações feitas por empresas militares a campanhas eleitorais são vitais para chegar à Casa Branca.

Em 2013, os fabricantes de armas desembolsaram mais de 137 milhões de dólares para cair na graça dos congressistas estadunidenses, segundo o Centro para Políticas Responsáveis, com sede em Washington.

A indústria da morte, como é qualificada por diversas organizações não governamentais (ONGs), também tira proveito dos milionários projetos de reconstrução pós-guerra, por isso algumas consultoras já preveem novos conflitos relacionados à mudança climática e à escassez de água e alimentos, e um suposto recorde nas vendas militares durante 2016.

DADOS E OPINIÕES PREOCUPANTES

Small Arms Survey, uma organização suíça que é referência internacional de grande destaque neste terreno, propõe que o mercado legal entre os Estados e o crime muitas vezes são as duas caras de uma mesma moeda, ao encobrir as vendas para grupos insurgentes ou proporcionando armas a regimes que violam claramente os direitos humanos.

A Organização das Nações Unidas estima em mais de 400 bilhões de dólares o impacto econômico devido a mortes causadas por armas em todo o mundo.

Sobre este tema, afirma que o armamento convencional de todo tipo (desde munição até tanques) move por ano cifras superiores a 85 bilhões de dólares no comércio entre países.

Dessa quantidade, Small Arms Survey calcula em algo mais de 10 bilhões de dólares anuais o valor do comércio de armas pequenas e seus diversos componentes. A principal rubrica de despesas é destinada a munições, que representam um volume de cerca de 4,27 bilhões.

Essa entidade também aponta que os cinco principais exportadores de armas leves são Estados Unidos, Itália, Alemanha, Brasil e Áustria. Cada um destes países exporta pelo menos 100 milhões de dólares anuais.

Os principais importadores são Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Austrália, França e Reino Unido, de acordo com informações do Escritório de Assuntos de Desarmamento das Nações Unidas, que estima que entre 40 e 60% do comércio de armas pequenas no mundo é ilícito.

ESFORÇOS INFRUTÍFEROS

Em abril de 2013, a Assembleia Geral da ONU aprovou o Tratado sobre o Comércio de Armas (TCA) com 154 votos a favor, três contra e 23 abstenções, que entrou em vigor no final de dezembro de 2014.

De todos os países assinantes, até o momento só foi ratificado por 64, entre os quais não consta os Estados Unidos, país responsável por um terço das exportações militares mundiais e que conta com 88 armas por 100 cada habitantes.

O acordo estabelece uma série de mecanismos para controlar o comércio. Por exemplo, as nações vendedoras revisarão todos os contratos de armamento para garantir que as armas não sejam destinadas a países submetidos a embargos ou que violam direitos humanos.

Seu objetivo é conseguir um melhor monitoramento do destino de todo material militar, procura delimitar claramente as condições para outorgar licenças de exportação e garantir que as armas não sejam utilizadas contra a população civil.

Importantes vozes o criticam por representar um lobby armamentista, enquanto outras consideram que pode limitar a política exterior da Casa Branca.

A aprovação deste tratado foi uma longa batalha da sociedade civil e de diversas ONGs, como a Oxfam Internacional, que vem lutando por mais de uma década para que a comunidade internacional controle esse comércio.

Mas, serve para que? Quando no Oriente Médio, por exemplo, certos Estados armam outros e grupos rebeldes cometem atrocidades contra a população civil?

“Pela primeira vez, existe um instrumento internacional que é juridicamente vinculante e que obriga os países exportadores de armas a realizar uma avaliação antes de autorizar as vendas. E terão que respeitar os critérios fixados pelo TCA”, afirma Marc Finaud, especialista em desarmamento do Centro de Política de Segurança que promove a paz, a segurança e o desarmamento.

Os critérios plasmados no TCA se sustentam no direito internacional humanitário, na Carta das Nações Unidas e na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Não obstante, o objetivo de responsabilizar os agentes pelo comércio ilegal e impedir a venda de armas destinadas a grupos terroristas e ao crime organizado tem sido infrutífero até o momento.

Por armas, o TCA entende que pistolas são iguais a mísseis, lança-mísseis, naves de guerra, tanques, peças de artilharia de grande calibre, aviões de combate, entre outros.

Seu texto proíbe claramente que os governos utilizem qualquer armamento para levar a cabo genocídios, crimes de guerra ou contra a humanidade, e desses o mundo está cheio. A não ser que proliferem no futuro as zonas de paz, como a região da América Latina e Caribe se proclamou na II Cúpula de Estados Latino-americanos e Caribenhos (CELAC), realizada em Havana em 2014.

Cira Rodríguez César é chefe da Redação de Economia de Prensa Latina