por Juliano Medeiros*
No último dia 2 de maio, o Ipea recebeu o presidente da Associação Brasileira de Ciência Política, Leonardo Avritzer, para debater os impasses da democracia brasileira, da participação popular e do combate à corrupção. Para o presidente da ABCP, o Brasil possui um sistema político imune à participação social. Tomando como ponto de partida as considerações do pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais e o complexo momento político que vive o país, é válido perguntar: a participação popular pode contribuir no combate à corrupção e no aumento da transparência?
O conceito de participação surgiu no âmbito da teoria democrática em contraposição aos limites da ideia clássica de representação, historicamente associada à defesa de modelos minimalistas ou estritamente eleitorais de democracia. Ao contrário, a participação vertebraria a crítica a tais modelos e serviria para elaborar propostas de democracia mais ambiciosas.1
No Brasil a participação deu um salto na década de 1980 a partir da difusão das novas teorias, do surgimento de novos movimentos sociais e da implantação de programas específicos, criados com o propósito de democratizar a gestão do Estado e de aperfeiçoar as formas de interação entre o poder público e a sociedade. Essa ampla mobilização origina várias formas de participação local, com destaque para a experiência do Orçamento Participativo, que chegou a ser adotada por 192 municípios, administrados por vários partidos.
Portanto, os mecanismos de participação popular não são novidade no Brasil. No âmbito 1 GURZA LAVALLE, A.; ISUNZA VERA, E. Representación y participación em la critica democratica. Desacatos, n. 49, setembro‑dezembro 2015, pp. 10‑27. federal, foram constituídos ou aprimorados nos últimos anos diferentes mecanismos de interação entre Estado e sociedade. Existem hoje 35 Conselhos Nacionais temáticos que contam com a presença da sociedade civil, além de outros mecanismos como as 98 Conferências Nacionais sobre os mais diversos temas, realizadas desde o começo dos anos 2000. Esses mecanismos ampliaram o alcance da participação sem, no entanto, assegurar a implantação efetiva de políticas públicas reivindicadas por esses espaços.
Um bom exemplo é a Conferência Nacional de Comunicação, que reuniu diferentes representantes da sociedade civil ligados ao tema e cujas iniciativas por ela aprovadas nunca se transformaram em políticas públicas, como a regulamentação dos artigos constitucionais que tratam das finalidades educativas e culturais da programação, da regionalização e da presença da produção independente no rádio e TV (Art. 220); ou que asseguram a proibição do monopólio e oligopólio no setor (Art. 221). Nesses casos, nada foi feito efetivamente para promover a posição da sociedade civil aprovada na Conferência.
Apesar disso, um estudo do Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (Iuperj), que procurou medir o impacto da participação popular na atividade legislativa, constatou que um quinto dos projetos de lei e quase metade das propostas de emenda constitucional que tramitavam no Congresso, em outubro de 2009, apresentavam forte convergência com deliberações de alguma conferência.
Mas, apesar dessas limitações, o que mais chama a atenção em relação às políticas de participação é a forma como elas têm se transformado, estimulando processos de diferenciação e pluralização da representação política, ampliando a quantidade de lugares, atores e funções da representação, que já não se resume ao Parlamento e se insere de modo relativamente autônomo na própria estrutura administrativa do Estado. Há uma crescente demanda por controle social e participação da sociedade no controle e na fiscalização das instituições do Estado. Apenas no Portal da Transparência, mantido pelo governo federal, foram mais de 11 milhões de visitas apenas em 2013. Como destaca Avritzer, em seu estudo sobre o Ministério Público e a Polícia Federal, apesar do grande número de instituições voltadas à promoção da prestação de contas – disseminado na Ciência Política pelo conceito de accountability –, como a Controladoria Geral da União (CGU), os tribunais de contas e as mais de 270 ouvidorias federais, a forma pela qual se dão o controle e a fiscalização é essencialmente horizontal, isto é, são os órgãos de Estado que se fiscalizam mutuamente. Para estimular a fiscalização vertical, aquela que permite que a sociedade exerça seu controle diretamente sobre as instituições de Estado, é que entra a participação popular.
Essa, no entanto, não é tarefa fácil. Apesar dos diversos estudos que comprovam que quanto mais participação social, maior a transparência e, consequentemente, menor a corrupção, há ainda grande resistência à ampliação do controle social sobre as instituições de Estado. A resistência entre muitos legisladores ao Decreto nº 8.284, que instituiu a chamada Política de Participação Social, é apenas uma prova das dificuldades de aprofundar os mecanismos de participação na perspectiva de ampliar o alcance do controle social.
1 GURZA LAVALLE, A.; ISUNZA VERA, E. Representación y participación em la critica democratica. Desacatos, n. 49, setembro‑dezembro 2015, pp. 10‑27.
* Juliano Medeiros é é doutorando em Ciência Política pelo Ipol/UnB e presidente da Fundação Lauro Campos.
(Artigo originalmente publicado na revista Desafios do Desenvolvimento, publicado pelo IPEA, edição 88, ano 13 (23/11/2016)