O maior escritor israelense volta-se para o ícone máximo da traição no ocidente, mas absolve-o do pecado supremo de entregar Jesus aos carrascos romanos: Judas Iscariotes queria apenas que seu ato fosse a causa de um novo milagre. O nazareno deveria ter descido da cruz e submetido romanos e os vis judeus que os serviam à vergonha e à extinção. Mas não foi o que ocorreu e a Judas só restou enforcar-se ao entardecer.
Em seu romance, Amós Oz traça um paralelo entre o discípulo que traiu Jesus e David Ben Gurion, o líder judeu que no final dos anos 50 consolidou o estado de Israel contra o entorno regional árabe. O confronto ali se iniciava e até hoje se mantém. A certa altura um dos personagens afirma: “judeus e árabes foram, ao longo da história, vítimas da Europa cristã. Os árabes foram humilhados pelas potencias colonialistas e sofreram a vergonha da opressão e da exploração e gerações e mais gerações de judeus sofreram degradação, banimento, perseguições, expulsões, morticínio e por fim o assassinato de um povo que não teve precedentes na história do mundo. Duas vítimas da Europa cristã. Será que não existe um fundamento histórico profundo para relações de amizade e compreensão entre eles?”
O romance levanta a questão, pouco absorvida pelo grande público, de que a colonização inglesa alimentou os conflitos religiosos para se beneficiar. A antiga técnica de dividir para governar. Há também uma severa crítica ao expansionismo israelense resumida nas seguintes palavras: “O grande mal é que os oprimidos anseiam secretamente em se tornar opressores de seus opressores. Os perseguidos sonham em ser perseguidores. Os escravos sonham em ser senhores.”
A obra consolida a posição de Amós Oz não só como um dos autores máximos de Israel, mas de todo o Oriente Médio.
Flavio Braga é escritor