“Em cada época, é preciso arrancar a tradição ao conformismo, que quer apoderar-se dela.”
Walter Benjamin
“Marighella, o guerrilheiro que incendiou o mundo” foi o grande vencedor do prêmio Jabuti 2013 na categoria biografia. O livro do jornalista Mário Magalhães, numa edição primorosa da Companhia das Letras,reuniu todos os requisitos para receber o troféu. Merecido, em primeiro lugar pelo perfil fascinante do biografado. Não há dúvida, Marighella é um mulato baiano que seduz e um personagem épico no sentido forte do termo. Mas merecido também porque a obra resultou num artefato de alta qualidade literária, pela prosa envolvente de Mário Magalhães, que, como jornalista, já recebera os prêmios Vladimir Herzog, Dom Helder Câmara, Esso de Jornalismo e o Every Human Hass Rights Media Awards.
Trata-se de uma reportagem objetiva e bem informada, muito bem redigida, revelando o biografado e suas circunstâncias, ancorada num vasto levantamento historiográfico. Para escrever a biografia de Marighella, o autor entrevistou 256 pessoas e pesquisou cerca de seiscentos títulos em 32 arquivos públicos e privados, no país e no estrangeiro. Alinhavou isso tudo em mais de setecentas páginas de tirar o fôlego, costuradas por uma narrativa ágil, que prende o leitor da primeira à última página.
“Marighella” é a vida de um homem que marcou a esquerda brasileira e que, por isso mesmo, se confunde com boa parte da moderna história nacional. Depois de ler o livro, o leitor fica com a sensação de haver visitado episódios decisivos da vida política brasileira que, não obstante sua importância para a compreensão da totalidade do processo histórico, estavam relegados à penumbra. O jornalismo investigativo de Mário Magalhães lança luz sobre esses episódios e, ao iluminá-los, escova a história a contrapelo, bem ao gosto de Walter Benjamin, para quem “nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie”.No “Marighella” de Mário Magalhães, o leitor vai cruzar com inúmeras personalidades brasileiras e internacionais que influenciaram a vida política e cultural de seu tempo. Entre esses notáveis estão Gregório Bezerra, Luis Carlos Prestes, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Oduvaldo Vianna, Norma Benguel, Jean Paul Sartre, Fidel Castro, CaetanoVeloso, Glauber Rocha e tantos outros.Sobre Marighella e sua organização guerrilheira, a ALN, Caetano Veloso testemunharia: “o heroísmo dos guerrilheiros como única resposta radical à perpetuação da ditadura merecia meu respeito assombrado”.
“Marighella” é uma leitura recomendável para quem aprecia o prazer do texto. Imprescindível a quem quer conhecer a trajetória da esquerda brasileira, é indispensável para se vislumbrar que há uma face oculta na história do Brasil.
Sergio Granja é Mestre em Literatura Brasileira pela UERJ, professor da rede estadual de ensino e pesquisador da Fundação Lauro Campos
[Artigo publicado na revista RUMO, de Angra dos Reis]