Não era amor, era cilada

Gregório Duvivier

Gregório Duvivier

Gregório Duvivier

Amor, Ordem e Progresso. O binômio positivista na verdade era uma tríade – assim como a Liberdade-Igualdade-Fraternidade dos franceses, só que sem rimar. Nosso trinômio era ainda mais chique, em verso livre. “O amor vem por princípio, a ordem por base/ O progresso é que deve vir por fim/ Desprezastes esta lei de Augusto Comte/ E fostes ser feliz longe de mim”, cantava Noel.

O amor estava no princípio, antes do Verbo. Ou talvez o amor fosse um verbo – da quarta conjugação, daqueles verbos terminados em “or”: por, depor, transpor, amor.

Imagina que lindo ter amor na bandeira – mas os inventores do país tiraram o elemento fundamental da tríade positivista. Amputaram a fraternidade da nossa tríade, e assim nasceu nossa república: amorfóbica.

Não sou o primeiro a levantar essa bandeira de uma outra bandeira. Jards Macalé fez campanha pela volta do amor na flâmula. Chico Alencar fez um projeto de lei. Suplicy (saudades) tentou emplacar o projeto. Nada. Ao contrário da bíblia, do boi e da bala, o amor não tem bancada. O amor não faz lobby e ficou do lado de fora da festa da democracia. Talvez aí tenham começado os nossos problemas: no recalque da fraternidade.

Lembro que uma vez reclamei para um francês que eles eram pouco afetivos, enquanto nós brasileiros vivíamos numa cultura mais amorosa. E o professor, roxo de raiva, perguntava, aos berros, onde estava, na história do Brasil, o amor pelos negros, pelos gays, pelos índios, pelas crianças de rua.

O carinho que temos pelos nossos semelhantes é proporcional ao ódio que temos pela diferença. Nossa fraternidade é seletiva. Só temos fraternité com quem é cliente personnalité.

Nossa cultura é muito erótica –e muito pouco amorosa. O amor liquído aqui já tá gasoso. Ou como dizia o Poeta: não era amor, era cilada. Cilada. Cilada.

Não quero engrossar o coro dos que acreditam que protesto é coisa de gente mal amada. Acho que pode haver muito amor no protesto.

Mas não encontrei nesse. Houvesse mais amor, não estariam protestando contra o fato do DOI-Codi não ter enforcado a Dilma quando teve oportunidade. Não teria gente dizendo que “tinham que ter matado todos os comunistas em 64”.

Houvesse mais amor, estariam pedindo o fim do programa nuclear brasileiro. Houvesse mais amor, estariam pedindo o fim do incentivo à indústria bélica. Houvesse mais amor, estariam protestando contra a polícia que acaba de cometer uma chacina – não estariam tirando selfie com ela.

Toda revolução é uma obra de amor – caso contrário, é golpe.