22 de Março: Pouco para Comemorar, Muito por Lutar!

Alexandre Araújo Costa

Alexandre Araújo Costa

Alexandre Araújo Costa

É quase certo que em nenhum momento desde que foi instituído em 1993, a passagem do Dia Mundial da Água de 2015 se dê em um momento globalmente tão crítico no que diz respeito a esse bem natural essencial à vida no planeta.

Secas praticamente sem precedentes têm assolado locais tão diversos quanto o Nordeste e o Sudeste brasileiros, a Califórnia, o Irã, a China. Há indícios de confirmação de uma mudança significativa no comportamento físico da atmosfera terrestre que, aquecida com a presença em excesso de CO2 e outros gases de efeito estufa, torna-se capaz de “armazenar” uma quantidade maior de vapor d’água. Esse fato, além de amplificar o próprio aquecimento global (já que o vapor d’água é, em si, um gás de efeito estufa), exacerba secas e enchentes, prolonga períodos de estiagem e produz supertempestades. Afinal, um reservatório maior precisa de mais água para “encher” e despeja uma maior quantidade de água de uma vez só quando é “esvaziado”.

Mas os impactos desse ensaio do que pode vir a ser um conjunto muito mais severo de consequências das mudanças climáticas não deveriam ser tão duros sobre a população, pelo menos neste momento. Parte da falta de água chegando aos reservatórios não somente no Brasil mas em vários locais do mundo se deve a outro tipo de interferência humana no ambiente, tão desastrosa quanto. Refiro-me ao desmatamento que destrói matas ciliares e nascentes e que retira, em determinados locais, uma fonte importante de umidade para a atmosfera, a evapotranspiração promovida pela cobertura vegetal, que bombeia, a partir de seu sistema de raízes, a água armazenada em camadas mais profundas do solo. Por fim, a água disponível é utilizada em gigantescas proporções pela agricultura irrigada, em sua maioria por monoculturas que ou não são alimento ou são alimento para exportação, e pela indústria pesada, como a geração de energia por termelétricas, a mineração, siderúrgicas etc.

A apropriação da água como insumo por parte de setores como o latifúndio e a grande indústria faz com que o consumo doméstico, humano, torne-se quase insignificante. Globalmente, a proporção é tipicamente de aproximadamente 70% para agricultura (majoritariamente agronegócio), 20% para a indústria e somente 10% para consumo humano. A pressão exercida por esses setores capitalistas nas políticas públicas, incluindo outorgas de água, faz com que um prioridade para este último, estabelecida pela legislação de diversos países, inclusive a brasileira, e considerada direito humano fundamental por assembleia da ONU, seja abertamente violada.

No Brasil, segundo dados da Agência Nacional de Águas (a ANA),  72% da vazão consumida total de água doce no Brasil, de 1161 metros cúbicos por segundo, é apropriada pela demanda de irrigação, enquanto o abastecimento urbano responde por meros 9%. Mais estarrecedor é o fato de que embora nossa população em 4 anos tenha crescido apenas 3,8%, a demanda pela água tenha aumentado numa velocidade quase 5 vezes maior, também segundo a Agência Nacional de Águas. Nesse mesmo período, a vazão consumida em atividades industriais cresceu 13%. Aquela associada à irrigação, em sua esmagadora maioria o agronegócio centrado em monoculturas de exportação, cresceu 23%. Nada menos que 88% da demanda extra que surgiu nos últimos anos está na conta do agronegócio. Nós, moradores da cidade e do campo, pequenos agricultores; nós, os 99% da população não somos os responsáveis pela crise hídrica e é inadmissível que seja sobre nós que recaia o ônus a ela associado.

Tamanho teatro do absurdo pode ser resumido em uma única expressão: injustiça hídrica. E é pelo fim dessa injustiça que precisamos urgentemente de um novo horizonte para a política de recursos hídricos, livre do jugo do capital. Água é direito humano, é suporte à vida, não é mercadoria!

O Brasil precisa urgentemente de um programa com base no princípio de justiça hídrica. Isso inclui a gestão transparente e radicalmente democrática da água, em que a vida esteja no centro, e não o lucro, fim dos subsídios às grandes empresas consumidoras intensivas de água, reversão dos processos de privatização das companhias de gestão de águas e de gerenciamento do abastecimento e saneamento públicos, prioridade efetiva para os pequenos agricultores e para o abastecimento humano, o fim do desmatamento e a recuperação de nascentes e matas ciliares e uma radical mudança na política energética (priorizando renováveis, principalmente a energia solar residencial) para poupar a água dos reservatórios, usada não apenas por hidrelétricas, mas consumidas em grande escala por termelétricas movidas a combustível fóssil.

Alexandre Araújo Costa é professor titular da Universidade Estadual do Ceará