Unicameralismo, para o fim da gastança

por Jorge Antunes *

   O povo brasileiro, parece, aguarda ansioso o ano de 2018. Acredita-se que teremos a grande oportunidade de renovar o Parlamento brasileiro, com muitos corruptos e corruptores na cadeia, e com um Congresso Nacional que passará o país a limpo.

   Eu sou mais otimista ainda. Acredito que será possível, a médio prazo, a instalação de uma nova Assembleia Constituinte para que sejam revistos os 92 remendos que a Constituição Cidadã recebeu, e que sejam implementadas algumas das belas cláusulas da Carta Magna de 1988, que ainda são letra morta. Nessa possível Constituinte futura, será necessária uma séria e profunda discussão sobre as vantagens e desvantagens do bicameralismo e do unicameralismo.

   O Brasil sempre adotou o sistema bicameral: uma Câmara dos Deputados e um Senado. Assim foi determinado na Constituição do Império de 1824, na República, com a Constituição de 1891, também na Constituição de 1934, na Constituição do Estado Novo, em 1937, na Carta Magna de 1946, na Constituição de 1964, com o golpe militar e, finalmente, na Constituição “Cidadã” de 1988.

   De onde saiu esse modelo? Por que a teimosia brasileira em manter duas Casas legislativas que anulam, praticamente, o princípio democrático. Isso é fato, porque a atuação de uma Casa pode ser contraditada pela outra. De onde surgiu o sistema bicameral?

   O vício bicameral vem da Inglaterra. Lá, os poderes da soberania eram divididos entre o Rei e as Assembleias dos Lordes e dos Comuns. A Câmara dos Lordes era integrada pelo alto clero e a nobreza. A Câmara dos Comuns congregava o baixo clero, os burgueses e os cavalheiros. Foi lá, nos idos de 1066, que o sistema se esboçou, quando Guilherme I adotou o sistema feudal com um Conselho para avaliar as leis. O parlamento, nos moldes conhecidos, teve início em 1200 durante o reinado de Eduardo I. O Parlamento do Reino Unido com o sistema bicameral, foi formado em 1707.

   Vem do latim parliamentum a palavra parlamento, que foi usada, pela primeira vez, justamente na Inglaterra. A tradição bicameral se impôs na Europa, com vários macacos de imitação: França, Holanda, Suécia, Bélgica, Suiça, Alemanha, Áustria, Itália, Irlanda.

  Nas Américas poucos países decidiram não copiar o modelo britânico. Exceções são Panamá, Paraguai, El Salvador, Honduras e Costa Rica, que adotam Câmara única: um Congresso Constitucional. A Finlândia também adota sistema unicameral.

   Os que defendem o sistema bicameral exaltam as diferenças entre as duas Casas, mencionando os números de representantes, as idades de seus membros, a duração dos mandatos. O Senado, como câmara alta, deveria, teoricamente, compensar eventuais discrepâncias entre as bancadas de cada Estado. Na prática, assuntos referentes aos entes da Federação acabam, alheios ao Senado, sendo negociados entre os poderes executivos estaduais e federal. É o caso da guerra fiscal, da reforma tributária e da dívida pública, entre outros temas.

   Os bicameralistas também ressaltam o papel do Senado como instituição revisora, retificadora, controladora, apuradora. Mas há muitas décadas, quiça séculos, o nosso Senado não vem controlando coisa alguma, muito menos apurando, retificando e revendo. O radical que deu origem à palavra senado, é o mesmo das palavras sênior, senil e senilidade. O Brasil nunca teve um conselho de anciões sábios, como teria sido o Senado romano. Também não podemos sonhar com uma Casa marcada pela vivência dos mais velhos, tal como o conselho de anciões da comunidade indígena Guarani Mbyá. No Brasil é necessário ter no mínimo 35 anos para ser Senador e 21 anos para ser deputado. No nosso “conselho de anciões” –o Senado Federal–, temos hoje um senador com 39 anos de idade.

   Os defensores do unicameralismo apresentam muitos argumentos em defesa do sistema. Todos eles se referem à representação popular e à prática democrática. Meu argumento é o de caráter financeiro. Segundo a ONG Contas Abertas, o trabalho dos parlamentares brasileiros custa, em 2017, cerca de R$ 28 milhões por dia. A Casa mais cara é a Câmara dos Deputados, com a qual, para 2017, está previsto o gasto de R$ 5,9 bilhões. Esse total resulta da soma dos salários e benefícios dos 513 deputados e dos 16 mil funcionários efetivos e comissionados. Com a recente liberação de verbas para emendas parlamentares, os gastos aumentaram de R$ 4,2 bilhões. Em 2016, também de acordo com levantamento da ONG Contas Abertas, o custo só com serviços relacionados a carros oficiais foi de mais de R$ 1,6 bilhão.

   A nossa câmara pretensamente “alta”, pode ser extinta, com a criação de uma única Assembleia do Povo, sem mordomias, sem carros oficiais, com pequenas verbas de gabinete, fazendo com que a atividade de tribuno deixe de ser uma profissão.

* Jorge Antunes é maestro, compositor, professor titular aposentado da UnB, membro da Academia Brasileira de Música, filiado e militante do PSOL-DF.