Um balão de ensaio para a barbárie

Rio de Janeiro - Fuzileiros Navais participam de operação na favela Kelson's, zona norte da cidade (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Por Francisvaldo Mendes

A contínua marcha militar brasileira deve ser abolida o quanto antes. A determinação de Michel Temer em decretar a Intervenção Militar no Rio de Janeiro – ainda que possa ser uma densa cortina de fumaça para demonstração de força e busca de apoio dos setores mais reacionários da população – é a possibilidade do consórcio do golpe de 2016 em instalar um nível de excepcionalidade e de violência estruturante do sistema penal e do Estado brasileiro ainda mais intenso no comportamento da vida cotidiana da população. Principalmente e tão somente para os de baixo. Hoje, nas comunidades do Rio de Janeiro. Amanhã e depois, estendendo-se para onde quer que se queira.

A primeira análise – acertada – logo após o anúncio da intervenção fez crer que esse decreto seria apenas “uma jogada” de Michel Temer para tirar o foco e camuflar as articulações para a aprovação da inescrupulosa Reforma da Previdência. Ventilou-se até que tendo os votos necessários, a intervenção seria interrompida por um dia, voltando a valer logo após a reforma passasse pela Câmara dos Deputados. Não será possível! O cão de guarda de Temer, o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, extinguiu a possibilidade de votar a reforma – ao menos nos próximos meses. A matilha do golpe faz seus rearranjos. Tenta achar brechas, mecanismo, ações e enganações junto a mídia para dar resposta ao “mercado”. Não está conseguindo graças a forte reação e rejeição popular, demonstrada nas ruas e, também, no carnaval carioca. Significativo!

Se em 2018 a reforma não sai, o que se está pretendendo, agora, é intensificar o estado penal e brutal dos próximos anos. Utilizando a intervenção até o dia 31 de dezembro como um grande balão de ensaio da barbárie. Não é que a intervenção militar vai criar um estado de exceção nas comunidades do Rio. Isso já existe há tempos. Temer moderniza tragicamente o que Rodrigues Alves fez – junto com Francisco Pereira Passos – com o povo dos cortiços do centro do Rio de Janeiro no início do século XX, quando se construiu a Av. Rio Branco e enxotou os egressos do fim da escravidão e o todo povo do centro da cidade com a justificativa de trazer a “paz e o progresso” para o Brasil.

Discurso parecido. Mas, dessa vez, a tentativa não é só varrer o povo para outro lugar. É varrer o povo! O aumento da política de polícia ostensiva – agora, pela polícia do exército – será cada vez mais capilarizada e capitalizada para todos os espaços da sociedade e para a subjetividade do dia a dia dos de baixo. É a fachada. Igual às fachadas dos novos casarões da recém construída Av. Rio Branco – no início, os prédios da avenida só tinham a fachada mesmo, não tinha aposento, nem gente morando atrás. Eles querem matar, ainda mais, em qualidade e quantidade, nós, o povo.

Não é à toa que circula, pelas redes, recomendações de que jovens, negros e negras, de comunidades do Rio de Janeiro comecem a andar, por exemplo, com a nota fiscal dos seus celulares junto consigo, que não esqueçam de jeito nenhum a identidade ou a carteira de trabalho quando saírem à rua – dentro de casa também -, que não usem bermudas de táctil, cabelos pintados, toucas, agasalhos com capuz. Eles – os ostensivos – é que escolhem quem é criminoso. Eles, que agindo com toda liberdade “sem o risco de surgir uma nova Comissão da Verdade”, é que terão ainda mais liberdade para exaurir de vez qualquer tipo de proteção de direito (à vida). A nossa saída é a unidade na ação política conjunta, organizada, num programa mínimo na defesa dos direitos fundamentais para a dignidade humana e para garantir o direito do nosso povo de viver. Precisamos demonstrar que a nossa força é a força coletiva.